Ex-viciado diz que viu colegas médicos “se acabarem”

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“Conheci muitos colegas que foram se afundando, mudando de hospital, mudando de cidade, até se acabarem. Pelo menos três morreram de overdose. Para sair daquilo, você precisa querer muito, arrumar uma meta na vida, por exemplo, uma pessoa de quem você goste muito. E vai precisar de um acompanhamento psiquiátrico e terapêutico muito bom. Eu tive essa sorte.”

O anestesiologista José Carlos (nome fictício), 40, ainda se considera na zona de risco que envolve o uso de opiáceos. Faz dois anos que parou com o consumo, depois de sete anos de dependência.

José Carlos usava o opióide meperidina, um opiáceo sintético -derivado da morfina, produzido em laboratório. É um analgésico narcótico injetável, empregado em pacientes com dores intensas.

“Provoca uma sensação agradável no abdome, uma sensação de leveza, como se não estivesse com os pés no chão, uma certa euforia e uma certa sonolência. Causa uma grande dependência. A pessoa não consegue deixar de usar, perde a compostura, não importa onde esteja”, relata o médico.
A meperidina é o princípio ativo de uma série de drogas. As mais
conhecidas são a Dolantina e o Dolosal. “Todo pronto-socorro e todo centro cirúrgico tem essas drogas.”

Outra droga da família dos opiáceos empregados por dependentes é o analgésico opióide fentanil. “Só é encontrado em centro cirúrgico na forma injetável. É uma droga sem retorno, não conheci ninguém que conseguisse escapar dela. Uma cirurgia cardíaca exige uma dose de 50 ml a 70 ml dessa droga. Faz um paciente de 70 kg dormir 24 horas sob estado de narcose. Um dependente chega a consumir mais da metade dessa dose.
Chega a cochilar em pé. A cada cirurgia cardíaca, são enviados ao centro cirúrgico dez frascos de 10 ml de fentanil. Sempre é possível desviar alguns.”

Os três casos de overdose que acompanhou não resultaram diretamente do
fentanil, mas da troca de ampolas. “O curare é um potente relaxante muscular empregado em cirurgias. A ampola é muito parecida com a do fentanil. Esses dependentes, depois de muito uso, acabaram confundindo [o fentanil” com o curare. Morreram de insuficiência respiratória.”

Os benzodiazepínicos são hipnóticos indutores do sono. São misturados com álcool ou cocaína para evitar que quem consumiu não durma. As anfetaminas são estimulantes. “No meu caso, ficava nos opiáceos.”

José Carlos considera a dependência de opiáceos uma “doença profissional” para os médicos. “O dependente precisa ser afastado do trabalho, remunerado, ter o tratamento custeado até que possa ser reintegrado. A instituição também é responsável por essa dependência. Afastá-los do trabalho não vai ajudá-los. Eles vão ficar passando de um emprego a outro, colocando em risco a vida deles e a dos outros.”
(AB).

Fonte: file:///C:/Users/Ama/Desktop/Site%20Imgens/ult95u37175.shtml